Consegui o medicamento em primeira instância e perdi na segunda, devo devolver seu valor?

Raquel Alves

Veja o entendimento do STF no caso de uma criança com AME que obteve, judicialmente, um medicamento de mais de 3 milhões de reais

Malu tem uma doença chamada Amiotrofia Espinhal Progressiva, conhecida como AME, e o único tratamento possível para garantir sua vida é com o Spinraza (nusinersen), um medicamento que custa em torno de R$3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).


Quando ajuizou a ação judicial para conseguir que a operadora de plano de saúde custeasse o medicamento, o Spinraza sequer era registrado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas apenas pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos. Com isso, o debate judicial se deu bastante em torno da obrigação do plano de saúde de custear um medicamento que não era registrado ainda no Brasil.


Liminarmente, o juízo de 1a instância concedeu o medicamento e, assim, Malu teve acesso ao remédio vital para a sua vida.


Porém, o debate judicial estava apenas no começo.


Bem verdade que, no curso da ação, o medicamento foi registrado na Anvisa. Porém, a sentença julgou procedente o pedido de Malu, ressalvando que, mesmo que não tivesse se dado o registro no curso da ação, a sentença ainda assim seria procedente, uma vez que o juízo não via óbice para a obtenção do medicamento para uso próprio, e não para venda.


A operadora de plano de saúde recorreu e veio a surpresa: o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) deu provimento parcial ao recurso do convênio e determinou que, no lapso temporal entre o ajuizamento da ação e o registro do medicamento no Brasil, a operadora não tinha obrigação de custear o medicamento, razão pela qual Malu teria que devolver o valor do medicamento utilizado nesse ínterim.


Recursos interpostos, o Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, deu provimento ao recurso de Malu e determinou que ela não tem obrigação de devolver tais valores, porque os medicamentos foram concedidos por decisão judicial, razão pela qual ela os recebeu e consumiu de boa-fé, o que afasta o dever de repor as verbas recebidas porque se deram no bojo do custeio de direito fundamental de natureza essencial.


Em seu voto, o ministro Edson Fachin (relator) afirmou que pessoas beneficiárias de planos de saúde estão isentas de devolver produtos e serviços prestados por ordem judicial. Segundo ele, a jurisprudência do STF é de que não é dever legal a reposição de verbas recebidas de boa-fé para custear direitos fundamentais de natureza essencial.


No caso, ficou constatada a natureza essencial e imprescindível do medicamento e dos tratamentos dispensados, nos termos do laudo médico pericial, para assegurar o direito à vida e à saúde da segurada, assim como o recebimento de boa-fé dos produtos e dos serviços de saúde.


O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça.


Decisão importantíssima para dar segurança jurídica ao consumidor que, tendo recebido medicamento por ordem judicial, não fica à mercê das decisões judiciais posteriores em relação aos medicamentos já consumidos.


Decisão exarada no RE 1319935

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