PESSOAS PRESAS NO BRASIL TERÃO QUARENTENA?

Raquel Rosa e Thais Pinhata

Sobre a prevenção ao coronavírus, as vozes são uníssonas: fiquem em casa. Mas e quando se está preso? Essa é a situação de mais de 758 mil pessoas no Brasil (Infopen, 2019), terceiro país que mais encarcera no mundo, sobretudo por crimes sem violência ou grave ameaça, como o tráfico de drogas a varejo e o furto. 

Diante dessa realidade, no dia 17 de março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação n.62, apontando medidas a serem tomadas pelo Judiciário no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Dentre elas vemos, por exemplo, aplicação de medidas socioeducativas preferencialmente em meio aberto e a revisão das internações provisórias, assim como, no que tange aos maiores de 18 anos, a sugestão de decretação de prisão domiciliar àqueles que cumpram regime semiaberto e aberto. 

As recomendações do CNJ se deram no bojo das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), a fim de reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus, uma vez que a aglomeração é, na prática, o próprio método de privação de liberdade no Brasil, sendo comum a superlotação, a precariedade do atendimento médico, além da insalubridade. Essa realidade fez, inclusive, com que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015, na ADPF 347, declarasse o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro. Entretanto, em 2020, essa realidade não só não mudou, como será atravessada pela proliferação de um vírus que, para milhares de pessoas, mostrou se letal.

Diante do quadro dantesco e, para preservar a vida das pessoas presas, dos agentes públicos e dos visitantes, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) fez pedido liminar na ADPF 347, requerendo a liberdade condicional a presos com 60 anos ou mais; regime domiciliar para portadores de determinadas doenças, de gestantes e de lactantes, de pessoas presas por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça; e, entre outros pedidos, o requerimento de progressão de pena antecipada a quem cumpre regime semiaberto. 

O Relator, Ministro Marco Aurélio, negou seguimento ao pedido, por entender que o IDDD não tinha legitimidade para o pleito, mas, de ofício, conclamou os Juízos da Execução a analisarem e implementarem as providências sugeridas. Entretanto, no dia seguinte, o Plenário do STF não referendou a sugestão do Ministro Relator aos Juízos de Execução Penal, e limitou-se a determinar que o Judiciário se paute pelas recomendações feitas pelo CNJ.

O mais perturbador nos passos tímidos do Judiciário brasileiro diante da pandemia que ora enfrentamos é que até o Irã, mundialmente conhecido pelo autoritarismo, contava com um sistema carcerário muito menor que o nosso (pouco mais de 185 mil presos) mas decidiu libertar, temporariamente, em razão da pandemia, 85 mil presos, inclusive políticos. Nesta sexta, dia 20 de março, inclusive, o líder supremo do Irã vai perdoar 10 mil desses presos temporários, como forma de marcar o novo ano iraniano.

Enquanto isso, o Judiciário no Brasil, país democrático e constitucionalmente defensor dos direitos humanos, limitou-se a sugerir que os magistrados, preferencialmente, adotem medidas socioeducativas em meio aberto e decretem prisões em regime diverso ao fechado, sem qualquer obrigatoriedade de observarem a Recomendação 62 do CNJ, que, a despeito de qualquer razoabilidade, permite, inclusive, que o coronavírus seja motivação idônea para a não realização de audiências de custódia no Brasil.

Diante do cenário, as pessoas privadas de liberdade no Brasil neste momento contam sobremaneira com a sorte, porque se já é comum ter superlotação e a falta de sabão e água, a quarentena não é, em verdade, uma opção.

FONTE:
Texto originalmente publicado no site do ESTADÃO.

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